Gestão de ilegalismos e o teatro da disciplina: os casos de falta grave por posse, utilização ou fornecimento de celular em uma unidade prisional de Curitiba/PR no ano de 2017
A Lei 11.466/2007 inseriu a posse, utilização ou fornecimento de celular, rádio ou similar como hipótese de falta grave, conforme o art. 50, VII, da Lei de Execução Penal. Hoje, o que se vê é a absorção da proibição dos celulares pelas práticas de gestão e construção da ordem interna, aqui tomadas a partir do conceito foucaultiano de ilegalismo e de algumas hipóteses fundantes da sociologia das prisões. A pesquisa traz recorte empírico com todos os casos de falta grave em uma unidade de Curitiba/PR em 2017, totalizando 16 (dezesseis), colocando a questão de quais seriam os parâmetros determinantes para imputação de responsabilidade disciplinar por telefones celulares ou similares apreendidos a este ou àquele preso. A partir da análise dos processos e observação participante, evidencia-se como na grande maioria dos casos os presos que assumem a responsabilidade pelos itens apreendidos o fazem por não terem família na região ou por terem uma pena remanescente alta, tendo por objetivo a contraprestação pecuniária ou outros favores, não sendo os verdadeiros donos dos aparelhos. A aplicação da sanção disciplinar, com conhecimento da falsidade da confissão, indica que o Estado opera como gestor de ilegalismos e não a partir do binômio lícito/ilícito oriundo da norma jurídica.
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